Por Felipe Rossi, CEO da 4B Digital
Nos últimos anos, temos observado uma expansão sem precedentes no uso de serviços em nuvem por empresas de todos os portes, impulsionada pela promessa de eficiência, escalabilidade e redução de custos operacionais. Para dimensionar em números, os gastos mundiais com serviços de infraestrutura em nuvem previstos para 2024 devem totalizar US$ 678,8 bilhões (incríveis R$ 3,3 trilhões), segundo a Gartner. A título de comparação, o montante representa um aumento de 20,4% em relação aos US$ 563,6 bilhões registrados no ano passado.
Apesar dos indicadores favoráveis, à medida que a tecnologia cloud avança e potencializa o processamento dos dados, um novo desafio para as corporações surge: a explosão dos custos associados. Tal fenômeno tem levado muitas companhias a reconsiderar a estratégia de depender exclusivamente de provedores globalizados, optando pela repatriação de seus dados para infraestruturas nacionais e proprietárias.
A migração inicial para a nuvem foi motivada pela necessidade de transformação digital rápida, que permitiu às empresas serem mais ágeis e inovadoras. Os provedores globais de cloud, como AWS, Azure e Google Cloud, lideraram a preferência no mercado corporativo por meio de soluções robustas que suportavam grandes volumes de dados e complexas operações computacionais. No entanto, o custo desses serviços, inicialmente competitivo, começou a impactar diretamente o retorno sobre investimento, sobretudo para o cenário brasileiro, uma vez que a alta do dólar afeta diretamente o montante a ser pago na operação.
A partir desse contexto, nasce o conceito de repatriação de dados, que refere-se ao processo de transferência de informações e operações de volta para data centers locais ou privados, após terem sido anteriormente migrados para a nuvem pública. Esta tendência vem ganhando força dentro das corporações brasileiras como uma alternativa estratégica para controlar os altos custos operacionais.
Além das despesas crescentes, outro fator que tem levado as companhias a tomar a medida é a questão da segurança e soberania dos dados, especialmente em um contexto global onde diferentes regiões apresentam regulações variadas sobre privacidade e proteção de dados. Por meio da repatriação, as empresas garantem que suas informações estejam em conformidade com as leis e normas do país onde operam, uma vez que a legislação local frequentemente oferece um quadro regulatório mais claro e seguro, reduzindo drasticamente os riscos legais e de compliance.
É preciso ter em mente que a repatriação não é uma solução livre de desafios. O processo envolve a reestruturação de arquitetura de TI, a reavaliação de contratos de serviço e, em muitos casos, a necessidade de investimentos e pesquisa para a montagem ou procura de uma infraestrutura local ou proprietária. Tais aspectos exigem um planejamento cuidadoso e uma execução meticulosa para garantir que os benefícios de custo e seguridade justifiquem as mudanças a longo prazo.
Do ponto de vista técnico, a medida também demanda uma revisão completa das práticas internas de segurança. Proteger infraestruturas locais contra ameaças cibernéticas requer uma abordagem diferente daquela usada na proteção de dados em nuvens públicas. Isso implica, muitas vezes, em novos investimentos direcionados a sistemas de proteção cibernética e capacitação dos profissionais.
Sendo assim, economicamente falando, a repatriação de dados muitas vezes precisa ser vista como uma iniciativa que pode resultar em benefícios significativos a longo prazo. Empresas que conseguem gerenciar eficientemente seus data centers locais, ou encontrar parceiros estratégicos que o façam, acabam por reduzir custos operacionais. Para se ter uma ideia sobre o tamanho dessa economia, um relatório publicado pela companhia Andreessen Horowitz aponta que a repatriação para infraestrutura local poderia reduzir os gastos com nuvem em até 50%.
Portanto, é fundamental que as empresas avaliem seus portfólios de investimento em TI e considerem a repatriação de dados como uma estratégia viável para manutenção da competitividade e adaptação às dinâmicas de mercado. Obviamente a decisão deve ser baseada em uma análise criteriosa dos custos, benefícios e riscos associados, a fim de entender efetivamente qual o melhor modelo a ser adotado.
Até por que, é importante ter em vista que a repatriação das informações não precisa ser um processo integral. Cada vez mais o que temos observado são as escolhas por soluções híbridas, modelo que combina o uso de infraestruturas locais e também nuvem, permitindo que as empresas aproveitem o melhor de ambos os mundos. Por meio desta estratégia, as organizações podem manter os dados sensíveis e as operações críticas em infraestruturas nacionais, enquanto utilizam a nuvem para tarefas menos críticas ou que demandam maior escalabilidade.
O que podemos perceber então é que, à medida que o mercado de serviços em nuvem continua a evoluir, é imperativo que as empresas se mantenham vigilantes e adaptativas. A repatriação de dados, embora complexa, oferece uma oportunidade para que as corporações redefinam o controle sobre seus custos operacionais e a soberania dos dados, alinhando-se mais estreitamente com as exigências regulatórias nacionais. As empresas que souberem viajar por esse céu turbulento tendem a contar com um voo mais seguro, com as nuvens sendo suas verdadeiras aliadas.
*Felipe Rossi é CEO da 4B Digital, principal fabricante de tecnologia em nuvem do país. Com mais de 15 anos de experiência no mercado, é arquiteto de Cloud e Operações e especialista em Operações escaláveis e Cloud.