As redes comunitárias são alternativa para promover a inclusão digital em regiões de povos tradicionais e com pouca oferta de infraestrutura e serviços de Internet, e estão, em sua maioria (83%), presentes em localidades remotas e que apresentam maior vulnerabilidade: 40% delas em quilombos ou territórios quilombolas, 33% em aldeias ou territórios indígenas e 23% em áreas ribeirinhas. A conclusão é de um levantamento inédito produzido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), por meio do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) e da Assessoria às Atividades do CGI.br. A pesquisa, lançada nesta segunda-feira (5) em um evento online, teve a coleta de dados coordenada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), que também colaborou com a análise dos resultados.
O estudo “Redes comunitárias de Internet no Brasil: experiências de implantação e desafios para a inclusão digital“ teve o objetivo de detectar o estágio de desenvolvimento dessas redes, compreender os seus modos de operação e seus efeitos nos territórios em que atuam, bem como identificar barreiras e maneiras de fomentar a sua sustentabilidade.
“As redes comunitárias de Internet têm um papel estratégico de promover conectividade em áreas desatendidas, e em comunidades mais vulnerabilizadas, além de estimular a apropriação da tecnologia por essas comunidades. Por isso é muito importante entender quem são, como e onde atuam”, explica Alexandre Barbosa, gerente do Cetic.br|NIC.br.
Perfil
Segundo o estudo, os principais beneficiários das redes comunitárias são os moradores de entornos urbanos (58%). As redes também mencionaram visitantes daquelas áreas, associações (43%), além de outras instituições como escolas e igrejas (35%) e comerciantes locais (25%).
O perfil dos gestores dessas redes reflete a diversidade da comunidade, sendo 55% deles pretos ou pardos e 20% indígenas — proporção superior à média da população nacional. Já em relação à escolaridade, 40% deles têm ensino superior e 33%, pós-graduação.
Em 45% das redes comunitárias, os beneficiários participam das decisões sobre seu funcionamento, e em 35% delas as principais questões são decididas por um conselho ou grupo deliberativo.
Sustentabilidade
A pesquisa mostrou que quase a totalidade das redes comunitárias mapeadas (93%) se definem como “organizações sem fins lucrativos”. Um quarto delas (23%) afirmaram depender de um investimento médio mensal de mais de R$ 1 mil para se manterem ativas, e 38% um custo de até R$ 1 mil.
Para financiá-las, 38% das redes comunitárias investigadas se valem de doações voluntárias de pessoas da própria comunidade, e igual proporção contava com o financiamento de organizações não governamentais. Em 28% delas eram cobradas mensalidades ou anuidades dos usuários.
Quando questionados sobre quão seguros estavam de que a sua rede estaria funcionando nos próximos 12 meses, 53% dos entrevistados (21 entre as 40 investigadas) afirmam estar muito seguros ou seguros de que a rede continuaria operando nos próximos 12 meses; 18% declaram estar nem seguros nem inseguros, e 23% declaram estar pouco ou nada seguros, representando quase um quarto das redes analisadas.
“A sustentabilidade financeira das operações cotidianas é um desafio para a manutenção das redes comunitárias. Identificamos durante a pesquisa que a maior parte dos projetos de implementação dessas redes não preveem recursos para além das etapas iniciais de implementação ou para situações excepcionais, como conserto e substituição de equipamentos”, afirma Laura Tresca, conselheira do CGI.br.
Principais atividades
De acordo com os gestores ouvidos pela pesquisa, entre as principais atividades realizadas pelos usuários das redes estão a promoção de festividades locais e a mobilização dos membros sobre temas de interesse e campanhas (ambas 50%), o que reforça o papel dessas redes na valorização de aspectos culturais e políticos da comunidade.
Os principais serviços oferecidos são espaços para gravar, compartilhar online arquivos e documentos (28%), a disponibilização de Intranet (23%), e o oferecimento de mural de avisos da comunidade pela Internet (18%). Serviços de rádio comunitária própria (13%) e TV comunitária própria (8%) foram mencionados em menores proporções.
Quanto à tecnologia de conexão, 18% usavam rádio; 18% satélite e 13% fibra óptica. “Isso contrasta com a situação encontrada na média dos lares brasileiros, nos quais, segundo a pesquisa TIC Domicílios 2021, predomina a conexão por cabo ou fibra óptica. Ao mesmo tempo, a prevalência de rádio e satélite nessas comunidades indica que grande parte dessas redes opera em territórios com obstáculos físicos adicionais à conectividade”, finaliza o gerente do Cetic.br.
Sobre o estudo
O levantamento mapeou 63 redes comunitárias em todas as regiões do Brasil. Foram entrevistados gestores de 40 redes comunitárias entre 25 de novembro de 2021 e 10 de março de 2022. No momento da coleta, 24 (60%) das redes comunitárias ouvidas estavam ativas, 14 (35%) estavam paralisadas momentaneamente ou em implementação e duas (5%) delas haviam sido encerradas definitivamente.
A publicação também traz os resultados da etapa qualitativa da pesquisa, na qual foram ouvidos atores estratégicos que atuam com redes comunitárias em diferentes segmentos (governo, mercado e sociedade civil) e aqueles com experiência de estudo e trabalho com a temática no país. Ao todo, foram realizadas 19 entrevistas em profundidade.